segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O Larp Nórdico não é bem assim - Podcast Tomos Revelados


Faz um tempinho que saiu esse podcast que conta com uma contribuição minha.

Os rapazes também citam um texto do Luiz Prado publicado na RedeRPG, RPG e Larp: qual é a diferença?.

Eu acho que o ponto de partida dos caras é muito fraco (um texto ruim publicado na gringa). Mas os caras mandam bem na investigação a partir do texto.

Fica a recomendação!


Podcast: https://open.spotify.com/episode/21nUuyBP0ihZCtKYC9aF9N?si=O5qORpniRQiiKPF3c0MmEQ

Texto original: https://retiredadventurer.blogspot.com/2021/04/six-cultures-of-play.html


O texto original acerta ao partir do princípio que o RPG é constituído a partir de muitas e diferentes culturas de jogo - mas é só isso. O tentar delimitar quais seriam essas culturas (ou as principais delas), logo escorrega no simplismo e no preconceito.

Toda generalização vai errar, não tem jeito. Mas até por isso, quando generalizamos precisamos ser cuidadosos. Não parece ter sido o que houve na composição do texto original, Six Cultures of Play.

Todo mérito do podcast vai todo para o pessoal da Moira Games,  que além de traduzir textos estrangeiros para o Português (o que por si só já é muito bacana), no podcast Tomos Revelados lê, comenta e chama convidados para comentar o texto de acordo com os temas que o texto levanta. Excepcional!

Além de mim, o Felipe Tuller e o Mink convidaram o Newton Rocha, o Rafael Balbi, a Ana do praquemgosta e o Samuel Hernandez para falar sobre alguns pontos do texto.

Para quem preferir ler o texto por si mesmo, Seis culturas de jogo está disponível no site do Tomos Revalos.

Abaixo, a transcrição dos áudios que eu mandei para o Felipe a respeito do trecho que le me pediu para comentar.

Fala Felipe, aqui é o Luiz Falcão falando. E sobre esse texto que você mandou, esse trecho sobre o Nordic Larp é bem esquisito na verdade. Ele não descreve muito bem o que é o Nordic Larp ele faz parecer que o autor leu uma coisa ou outra na internet e completou o resto com a imaginação dele. É um texto bem desdenhoso e preconceituoso na verdade, cheio de clichês e caricaturas. O termo Nordic Larp é, e sempre vai ser, um termo em disputa, mas ele definitivamente não se refere a jogos de mesa, é sobre Larp mesmo.

Eu vou evitar comentar ponto a ponto do que tá esquisito nesse trecho porque acho que o foco é falar sobre a cultura do Larp no Brasil, e eu acho que gente consegue dividir - como talvez fosse possível fazer também no Nordic Larp - não numa única cultura, mas em algumas culturas que constituem essa cultura maior.

No caso do Brasil, a gente tem, ao ver, no meu entendimento, três culturas bem definidas, mas que dialogam entre si, se contaminam umas às outras, influenciam umas às outras. A primeira delas é muito ligada aos jogos de RPG, que são os larps de Vampiro e dos outros títulos da White Wolf, né? É o larp de Vampiro que inaugura o Larp no Brasil. O Vampiro: A Máscara é muito popular, inclusive no formato live action, que é como ele ficou muito conhecido e popular aqui no Brasil a partir dos anos 90. Inclusive esse ano a gente tá fazendo 30 anos de Larp brasileiro. E o marco inicial aí dessa contagem é o primeiro larp de Vampiro organizado oficialmente em um evento em 1994.

Também dá para destacar o Boffer Larp, que são os larps que usam espadas de espuma. Esse termo boffer tem a ver com as espadas de espuma, é um termo norte-americano para isso. Hoje o pessoal fala muito em swordplay, mas o swordplay são as práticas com a espada de espuma, e o Boffer Larp é o larp propriamente dito, usando dessa tecnologia Se o larp de vampiro começa em 94, o larp de espada de espuma a gente rastreia mais ou menos até meados do ano 2000, né?

Então a gente acredita que os primeiros grupos [de boffer larp] apareceram nesse meio tempo, mas um grupo de relevo, de destaque, é o Graal, que começa aqui em São Paulo fazendo eventos numa chácara, num sítio. Aos finais de semana. E aí são histórias de fantasia, de fantasia medieval. Um pouco inspiradas pelo D&D e acho que muito carregadas pelo clima que tinha nessa época com os filmes do Senhor dos Anéis, que estavam para estrear ou estavam estreando nos cinemas e que acabaram congregando aí o pessoal que curtia medievalismo e fantasia medieval. 

...

 Mesmo esses larps de fantasia medieval aqui no Brasil, eles já tem um pouco um input dessa tradição que começa lá no Vampiro à Máscara, né? Mas aí a gente fala da terceira tradição ou da terceira cultura que eu vejo com bastante identidade própria aqui no Brasil, que talvez tenha origem a partir dos jogos de Vampiro: A Máscara, mas um pouco influenciado pelos eventos de RPG.

A Confraria das Ideias, que é uma grande representante dessa terceira tradição, começa fazendo um jogo de Vampiro Máscara no final de um evento de RPG, e aí vira uma tradição fazer larps ao final de eventos de RPG. Mas eles abandonam o Vampiro: A Máscara a partir do segundo larp que eles fazem e vão explorar outros temas.

Eles também abandonam sistemas de RPG. Não foi o único grupo a fazer isso, a gente tem outros grupos que a gente poderia mencionar o grupo Enigma, por exemplo, em Curitiba, Até certo ponto o grupo CLAN, do Rio de Janeiro, que fez bastante larp de Vampiro e dos jogos da White Wolf, mas fazia outros temas também.

Enfim aí a gente poderia seguir acumulando exemplos a respeito disso, né? Que aí eu vou dizer que é um larp, larp mesmo, assim, sem um adjetivo né? Porque a primeira tradição que é o Vampire Larp, e a segunda que é o Boffer Larp, eu entendo que eles têm esse qualificador que os agrupa. Agora, o resto todo, eu acho que ele acaba fazendo parte dessa tradição, que é de entender o larp de maneira autônoma e flexível dentro de temáticas, dentro de propostas de jogabilidade...

E aí, lá para 2011, 2012, 2013, o NpLarp, que é o grupo que eu faço parte, acaba fazendo uma extensa pesquisa a respeito do Larp, além das fronteiras brasileiras, dentro das fronteiras brasileiras também, mas além das fronteiras brasileiras [inclusive] e a gente acaba tomando contato com o Larp internacional e o Nordic Larp. Inclusive é nessa época que o livro que se chama Nordic Larp sai, em 2010, e acaba ganhando um grande relevo na comunidade internacional.

São quatro países, eles fazem um evento entre si, os eventos são em inglês então isso fez com que chegasse mais longe a produção cultural e intelectual deles. E aí acaba tendo uma grande influência do Larp Nórdico, mas não só no Larp Nórdico [mas também] no Larp brasileiro. E aí de lá para cá, esse eixo vem se desenvolvendo bastante, essa tradição do Larp enquanto uma linguagem autônoma.

Acho que mais ou menos é isso, essa tradição... A tradição, claro, do Vampiro: A Máscara ainda tem bastante ligação com jogos de RPG. Quando saiu a quinta edição do Vampiro teve um certo revival, embora nunca tenham parado os lives de Vampiro: A Máscara, né? Mas teve grupos aí voltando ou se rearticulando um pouco em função do hype da quinta edição. O Larp Medieval teve algumas experiências bem interessantes pelo Brasil. De maneira geral também, ele nunca deixou de existir mas arrefeceu bastante, embora você tenha grupos bastante longevos, como Batalha Cênica Salvador, o Graal MG, que hoje é o Crônicas ou o Graal RJ, que hoje é o Santuário. Mas talvez teve uma redução na prática desse tipo de larp.

Mas que existir, existir... sempre existiu. A gente vê que essas tradições não desaparecem, elas sofrem influências umas das outras, mas elas continuam seguindo os seus percursos. 

...

Rapaz, pensando aqui agora, depois de gravar esse áudio eu acho que a gente já pode falar numa quarta tradição já, que são esses lápis estilo faça você mesmo, que costumam ter um roteiro um manual, etc. Para os jogadores lerem e jogarem por si mesmos, às vezes com o organizador, às vezes com todos os jogadores tendo consciência do jogo como um todo.

Essa tradição é muito amalgamada com a outra, a terceira, mas acho que constitui uma cultura ou escola própria, por assim dizer. Para quem tiver curiosidade, tem um site que é o larpbrasil.blogspot.com, que reúne uma grande quantidade desses roteiros, muitos deles produzidos aqui no Brasil, já. Mas também alguns deles gringos de outros países.

Pode ser bacana para conhecer também.

 

Os áudios foram transcritos com ajuda da web.descript.com

domingo, 3 de março de 2024

Is just to love and be loved in return

Gatite partiu na quinta-feira dia 22 de fevereiro, por volta de 11hs.


Ela entrou na nossa vida durante a pandemia de COVID 19, em 2020. 

Foi em Julho. A Íris já estava há alguns meses sem ir para a escola (e ficaria muitos mais) e eu estava com o pé recém quebrado. Para complicar, o proprietário pediu a casa em que morávamos de aluguel. Natascha estava aqui para nos ajudar a lidar com as novidades.

Foi nesse contexto intenso que a Gatite veio para as nossas vidas. Ela já me visitava de tempos em tempos para pedir carinho. Mas naquele julho ela se sentiu mais à vontade para entrar dentro de casa.

A Natascha facilitou um pouquinho e a Gatite acabou ficando. Aliás, escolhendo ficar. Não era um filhote, era um gatão grande e bem cuidado que, aparentemente, trocou a casa em que vivia pela nossa. As portas e janelas estavam sempre abertas, mas desde que chegou ela nunca passou um dia fora.

Eu nunca conheci uma pessoa felina tão amável e carinhosa como a Gatite.

Depois de um tempo, fizemos a mudança como o previsto - de um sobrado com 3 quintais e árvore no jardim para um pequeno apartamento. Me preocupei se a Gatite ia se adaptar. Se adaptou.

Vivemos três anos juntos ali no apartamento. Compramos até uma coleirinha para passear.

Em novembro de 2023, a Gatite, que sempre foi muito grande, perdeu muito peso. Uma noite, vomitou a madrugada toda e ninguém em casa conseguiu dormir. No dia seguinte, levamos na Dra Natália, veterinária.

Dali uns dias estava internada. Tomando remédios. Fazendo ultrassom. Comendo comida especial.

Foram 4 meses em que os cuidados se intensificaram a cada semana - e as oscilações dos gastos deixavam muito claro que não ia sobrar dinheiro algum.

Quando foi preciso fazer a transfusão em fevereiro, já não havia dinheiro algum. Mas não pudemos negar esse cuidado.

Entrei para o tal mercado de futuros (no futuro eu pago) e no início de fevereiro, a Gatite parecia estar ressuscitada!

Ela entrou na internação duas vezes definhando, e nas duas vezes saiu de lá com a energia de um gatinho jovem.

Foi nessa saída da segunda internação, depois da transfusão, quando o gasto semanal com remédios dobrou, que o Godoy perguntou se podia ajudar fazendo uma Vakinha.

Além do dinheiro, as rotinas de cuidado eram muito extenuantes. Num dia, soro subcutâneo. No outro, injeção. Na enfermaria lá de casa mesmo. Todos os dias, um amplo coquetel de remédios que, no fim, Gatite aprendeu a tomar e eu aprendi a administrar. E ainda duas vezes por semana íamos ao veterinário, muitas vezes colher exames.

Mas mesmo com todos esses cuidados. Mesmo gastando o que tínhamos e não tínhamos de nosso próprio dinheiro, próprio tempo e própria saúde, em duas semanas a Gatite voltou a piorar muito rapidamente.

Voltamos a realizar exames determinantes - para entendermos se ainda havia o que fazer para ajudá-la ao mesmo tempo em que, pelo andar das coisas, já nos entendíamos nos despedindo dela.

Os gatos, ao que nos consta, não costumam demonstrar muito claramente o sofrimento. Não são de reclamar, por assim dizer. Talvez por isso, a gente não via a Gatite piorando. Ela simplesmente piorava, de um dia para o outro. E piorava muito.

Buscamos estar do lado dela em todos esses momentos, como ela também buscou estar do nosso.

Gatite gostava de toque, de carinho, de colo. Não é que ela "deixava" pegar no colo. Ela vinha até nós para que a gente a pegasse no colo.

Dormia com a gente, abraçava (você já viu um gatinho abraçando?), lambia nosso rosto, gostava que a gente segurasse as patinhas dela (como quem dá as mãos para alguém) e às vezes ela própria inventava jeitos de segurar a nossa mão.

Por fim, os exames revelaram que não havia mais possibilidade de melhora. A única sobrevida possível seria baseada num ciclo de transfusão, aumento do sofrimento e nova transfusão. Não fazia sentido.

Assim, nos despedimos  da Gatite no dia 22/02. (Para falar a verdade, ainda estamos nos despedindo de certa forma).


Com muita, muita, muita tristeza, mas com igual gratidão por todo o tempo que passamos juntos.

Ela nos escolheu. E nós a escolhemos de volta como resposta.

Gatite entrou para a nossa família em um momento bastante sensível. Foi uma companhia muito importante para a Íris especialmente durante a Pandemia (a Íris tinha 9 anos quando a pandemia começou, ia passar muito, muito tempo sem a presença de outras crianças e muito muito tempo convivendo apenas comigo). Mas igualmente foi muito importante para mim e para a Natascha.

E para todo mundo que nos visitava quando as visitas voltaram às casas das pessoas com o fim da quarentena. Não teve ninguém que a Gatite não tenha recebido com carinho.

A todos esses amigos (seja os que a conheceram pessoalmente ou apenas virtualmente) deixamos nossa gratidão.

Depois de me despedir da Gatite, um trecho da uma canção veio a minha mente e eu acho que ela ilustra poderosamente nosso encontro. Em especial os versos a seguir, que já deixei em outros lugares.

The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return

_ _ _ _

A Gatite partiu, mas a Vakinha segue funcional por mais alguns dias. Quem puder ainda assim contribuir vai estar nos ajudando a fechar as contas do mês (ainda temos alguns meses do tratamento comparecendo à fatura do cartão de crédito).
Olá, meu nome é Gatite e tenho aproximadamente 8 anos. Sou muito carinhosa, adoro aparecer em lives e reuniões online. Mas fiquei doente, precisei ser internada duas vezes e até transfusão de sangue eu fiz. Descobri que sou uma paciente renal, e que também sofro de uma forte anemia. (...)

https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajudem-a-gatite

terça-feira, 31 de outubro de 2023

Catábase no CCJ

Na madrugada do dia 21 para o dia 22 de outubro rolou o playtest / abertura de processo do larp Catábase - a história de uma liderança religiosa que conduz uma pequena comunidade com o auxílio de entidades que ele visita durante a noite.


Neste larp, um único jogador faz o mesmo personagem o tempo todo. Os demais se revezam em dois papéis, muito diferentes um do outro.

Eu não me lembro de alguma vez já ter feito uma experiência parecida com essa: a partir de um esboço da estrutura de um larp, reunir participantes para juntos levantarmos cenário, iluminação e combinarmos juntos detalhes da experiência enquanto ela transcorre.

Mais de dez anos atrás, quando participei da fundação do Boi Voador, o objetivo era o oposto: entregar o mais bem acabada possível uma experiência imersiva e participativa a um grupo de jogadores.

A experiência que rolou na madrugada do 13° Encontro de RPG do CCJ - Centro Cultural da Juventude foi, para mim, muitíssimo rica. Tivemos ao todo 13 jogadores e encerramos as atividades apenas às 6h da manhã. Sinal que o jogo rendeu.

Coletei feedbacks muito bacanas (que devo dividir com o público em breve) e pretendo registrar em texto como foi a experiência.

E estou animado para fazer mais vezes. 🙂

Agradeço à Confraria das Ideias pelo convite ❤ e a todas as pessoas que participaram da experiência.
Muito obrigado.


#larp #larpbrasil #catábase #katabasis

sábado, 14 de outubro de 2023

Catábase, playtest / abertura de processo no 13° RPG no CCJ

21 ~ 22/out
23H30 ~ 4H30 LARP

CATÁBASE, com Luiz Falcão

Em uma pequena comunidade, uma nova liderança religiosa experimenta uma rápida ascensão. Ela traz prosperidade e opera verdadeiros milagres. Mas tudo tem um preço e ele será cobrado.Catábase (Katabasis) é um larp em processo de criação, ainda inacabado, que será colocado para jogo na madrugada do 13° RPG no CCJ. Junto com o proponente, os jogadores farão escolhas de design e experimentarão variações em tempo real, numa experiência de design aberto e participação profunda.

Catábase é um larp de experiência assimétrica. Nele, um dos jogadores representará o mesmo personagem do início ao fim: a liderança religiosa. Os demais se alternarão em 2 papéis: os fiéis dessa religião emergente e os espíritos (ou demônios) que conferem os milagres à comunidade, mas que exigirão coisas em troca. Cenário, personagens e ambiente de jogo serão criados coletivamente.
___

A convite da Confraria das Ideias estarei no Centro Cultural da Juventude entre os dias 21 e 22 de outubro realizando o playtest do larp Catábase (Katabasis) - um jogo cujo design não está 100% fechado e vamos ter a oportunidade de experimentar soluções de design juntos, jogando.

Faça sua pré-inscrição no link https://forms.gle/zUYcLPcKtMmwBzZHA

Entre no grupo de whatsapp no link https://chat.whatsapp.com/L5v4mT0jLh89OcCeBj68P4


QUANDO?
Na madrugada do dia 21 para o dia 22 de outubro
Início 23h30
Término até às 4h30

ONDE?

Exibir mapa ampliado
Centro Cultural da Juventude – CCJ
Av. Deputado Emílio Carlos, 3641.
Vila Nova Cachoeirinha. Zona Norte. São Paulo/SP.
(ao lado do terminal Cachoeirinha).

NO EVENTO
Catábase faz parte da programação do evento 13° Encontro de RPG do CCJ - Confira toda a Programação




PS: imagens usadas na postagem foram retiradas do clipe da música I Love You, do artista WoodKid (Yoann Lemoine). Direção do próprio artista com cinematografia de Arnaud Potier. O modelo das fotos é o russo Matvey Lykov.

domingo, 16 de abril de 2023

10 anos do Livro Roxo

originalmente publicado no facebook em 15 de fevereiro de 2023

10 anos.

Hoje a publicação do 'guia de larp', o Livro Roxo, completa 10 anos.

Não havia muita coisa para ler sobre larp, em português, naquela época. Aliás, nem havíamos consolidado chamar o que fazemos de larp ainda (menos ainda com letras minúsculas). 

O guia pretendia trazer uma consolidação do nosso primeiro ano de pesquisa no NpLarp (financiado pelo Programa VAI). Queríamos que ele:

  •  Trouxesse uma definição justa do que é larp, mas sem repetir os preconceitos do senso comum;
  • Apresentasse a prática para além do que já era amplamente conhecido e para além da associação com os RPGs;
  • Apresentasse portas de entrada no mundo do larp, seja através de grupos em atividade, seja através de roteiros disponíveis para "fazer você mesmo" (o que era bem mais raro naquela época).
  • Encorajasse as pessoas a fazerem elas mesmas;
  • Fizesse uma tour pelo mundo, apresentando caminhos para curiosos, pesquisadores e produtores conhecerem referências para além daquelas que já manejávamos na rarefeita cena local;
  • Fosse simpático, de leitura agradável.

A roda viva veio, como sempre vem, e sucessivamente foi impedindo novas verões do material. Algumas informações que estavam ali caducaram. Certas partes não envelheceram tão bem. Muita coisa relevante que foi surgindo depois do guia simplesmente não tem qualquer pista ali... E quanto mais tempo passa, mais difícil fica atualizá-lo.

Ainda assim, o "livro roxo" segue sendo uma relevante porta de entrada e um dos materiais mais citados e reconhecidos por aí - seja em conversas inesperadas, seja em citações acadêmicas!

Mas vamos supor que eu fosse fazer uma nova versão desse livro...? 

O que precisaria mudar em relação a essa versão?

O livro 'LIVE! Live Action Roleplaying, um guia prático para o larp' é gratuito e está disponível em PDF no site do NpLarp. 

--

Pouco tempo atrás, o NpLarp e o Boi Voador também alcançaram essa meta dos 10 anos - e, por um motivo ou por outro, acabei não conseguindo fazer nada a respeito disso, nem mesmo uma postagem como esta. Fica aqui então também a minha carinhosa menção a esses marcos.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Como encontrei o horror na Terra dos Mortos

Nalgum momento tardio dessa pandemia, já com duas doses de vacina no braço, a amiga virtual já de longa data Kyrie Flame (Graal RJ) me adicionou num grupo de WhatsApp chamado amavelmente de Larp Brasil. Logo quando entrei, alguns membros estavam compartilhando histórias marcantes que vivenciaram em larps (entre eles, Effe, Daniel Prado Cosenza, Marina Cavoli e outras pessoas já queridíssimas).

Resolvi compartilhar também e reproduzo meu relato abaixo:

As fotos deste post são do Bruno Fischer.

Tem uma foto pra ilustrar meu momento que quero compartilhar com vocês.

Eu já narrei esse momento em mais de uma ocasião (algumas delas em vídeo, gravadas e distribuídas por aí), mas nunca tive oportunidade de ilustrar.

Essa guria da foto (cujo nome eu não sei e talvez nunca tenha sabido) é parte da história  e eu sou esse camarada barbado aí à esquerda da foto.

Foi no inicinho de 2013, em Araraquara. Eu fui acompanhar a Confraria das Ideias para a primeira realização do larp RedHope: Terra dos Mortos (que no mesmo ano eu tive o prazer de produzir em outra escala e já passo um link pra vcs verem, rs).

Eu não estava familiarizado com o enredo, as mecânicas, os personagens... nada. Então eu acabei jogando...

A história de passava em um universo ficcional que eu tinha ajudado a criar muitos anos antes.

Na história, a vida na Terra tinha sido consumida por uma pandemia (sério) que transformava as pessoas em monstros (que depois viraram só zumbis). A Atmosfera ficou impregnada por esse vírus fatal e quem tinha grana deu tchaus e se mudou para estações espaciais na órbita da terra. (e além). 

Em Terra dos Mortos, um grupo de mercenários vinha para Terra para lançar na atmosfera uma cura experimental... mas a missão sofria uma sabotagem e a nave caía.

Meu personagem era o terceiro imediato.... Mas era um golpista. Ele nunca tinha participado de nenhuma missão em solo e nunca tinha sido responsável por uma espaçonave.... Ele fraudou o currículo para entrar como terceiro imediato porque achava que ia ser zica demais ter que assumir o comando. Imaginem... o capitão e o primeiro imediato iam ter que se retirar... isso não ia acontecer.

Mas aconteceu, né? 🤷‍♂️

Fiquei responsável pela missão, pela tripulação e por concertar todos os sistemas da nave... mas não fazia a menor ideia do que fazer.

Aí essa guria ficava enlouquecida entrando e saindo da nave, querendo fazer mil coisas e sempre vindo se reportar a mim. Enquanto isso, os técnicos da nave ficavam me alugando para fazer reparos nos sistemas da nave que eu nunca tinha nem visto porque eu era, basicamente, um impostor. 

Num determinado momento, ela veio desesperada - gente, desesperada - falando que todos iam morrer e que estávamos perdidos.

Eu minimizei e disse que não ia acontecer nada, que ela ia ficar bem, que os médicos iam tratar os feridos e que se não conseguíssemos decolar, íamos chamar o resgate. Ninguém iria morrer.

Ela saiu da sala e eu fiquei ali com um técnico tentando reparar um quadro de energia (um puzzle fdp que o pessoal da Confraria armou pra gente)

Alguns minutos passam e... na sala onde estávamos havia uma janela que permitia ver o lado de fora da nave.

A menina me aparece coberta se sangue, infectada. Completamente de surpresa.

Eu gelei.

Não foi meu personagem que gelou, não. Fui eu.

Eu me senti responsável pela morte daquela guria e o horror tomou conta de mim daquele momento em diante.

Ela estava certa. Todos íamos morrer. Eu estava no comando e não tinha ideia do que estava fazendo. Era tudo culpa minha e todos íamos morrer.

Dito e feito, né?

Todos morremos.

No final, ainda teve um "brinde".

Meu personagem saiu da nave armado até os dentes e foi consumido por uma horda de zumbis. 

Os jogadores, zumbificados, pularam em mim e eu tentei resistir inutilmente. 

O detalhe: o lado de fora da nave era visível para o público do Sesc (onde o Larp foi realizado). 

Minha filha de DOIS ANOS (na época) estava lá e me viu sendo devorado. Ela ficou em pânico!!!! 😱

esse guri era o técnico que estava comigo na sala....

O reconhecimento facial do facebook diz que aquela guria chama Raquel Franco...

E não achei foto dela convertida em zumbi :O Mas achei essa foto abaixo, bruxona demais.


Esse relato poderia facilmente compor a série #umlarppordia, não poderia?

Vale acrescentar que, nas fotos, dá pra ver a faísca nos olhos da Raquel. Na janela, coberta de sangue, esses olhos estavam opacos. É isso.

quarta-feira, 31 de março de 2021

O dia da celebração (v 0.1.1)

esta postagem ainda é um rascunho¹



Criei um larp
Coisa simples
Chama 'o dia da celebração'

É um Larp de festa: jantar, festinha de aniversário, celebração da firma...

Ainda preciso acertar um contexto.

Durante toda a celebração, todos os personagens tem que apoiar uns aos outros e celebrar mutuamente suas conquistas, qualidades, personalidades e cada colocação que for feita.

Qualquer ideia que seja oferecida ao grupo deve ser acolhida, elevada, continuada, aumentada pelos pares. Ainda que nada se faça a respeito no momento, afinal, hoje não o dia de fazer. Hoje é o dia de celebrar.

pedir a palavra

A qualquer momento. Qualquer momento mesmo. Qualquer jogador pode bater com uma colher em sua taça para pedir atenção.

Mas quando o jogador faz isso, é o jogador quem faz isso, e não seu personagem.

Os convíveres todos vão silenciando e, sob silêncio total, o jogador que pediu atenção falará livremente

Nesse discurso, esse jogador poderá falar sobre os poréns que seu personagem veria sobre o que está sendo celebrado, incentivado, partilhado por todos

Pode falar o que seu personagem realmente estaria pensando

É o momento de colocar para fora as interdições, as contradições, as antipatias e advertências

Nenhum outro jogador deve interrompê-lo

Por extensão, o recuso de pedir a palavra pode ser usado para que o jogador comunique aos demais jogadores alguma coisa que ele sinta necessidade de comunicar.

Outro jogador não pode pedir a palavra na sequência.

Antes de fazer isso, o clima de burburinho, confraternização e celebração deve ser reinstaurado no ambiente.

condições

Como o jogo emula uma reunião social, as condições de início e término do jogo estão diegeticamente definidas.

Recomenda-se que os jogadores combinem antecipadamente a duração do jogo (e eventualmente, dependendo do contexto da Narrativa, um anfitrião para a reunião social) e encerrem a celebração obedecendo aos ritos que seus personagens seguiriam

MAS, que tenham uma estratégia para se encontrarem novamente, sem seus personagens, após o término da representação.
Esses são os ritos do jogo

Para além dos ritos,
Poderia-se incluir um cardápio de situações

situações (e influências)

Situações específicas podem funcionar como catalisadores da experiência.

Uma das inspirações para esse jogo é o Larp de final de ano "Festa da Firma". O contexto de uma celebração no ambiente corporativo suscitaria determinados temas para a experiência, diferentes daqueles que seriam levantados em uma formatura de faculdade, uma reunião de turma 20 anos após formados (como no Larp Encontro de ex-alunos), um chá de bebê ou casamento, o aniversário da matriarca de uma família aristocrática em decadência (semelhante ao Larp "A Vida Elegante"), reunião de um partido político (como no Larp Panaceia).

Outra inspiração é o Larp Novas Vozes na Arte, que traz as taças e os solilóquios/monólogos

Novas vozes na arte, inclusive, é um Larp inserido dentro da tradição nórdica. Um contexto onde o recurso do solilóquio/monólogo é chamado de metatécnica e entendido como um recurso disponível para a comunidade de criadores e jogadores de Larp.

Há muitos larps na tradição nórdica que usam a técnica de solilóquio/monólogo, mas eu não consigo me lembrar de nenhum, no Brasil, que faça isso com esse nível de centralidade para a experiência

Novas Vozes na Arte, até onde eu sei, continua inédito no Brasil (e eu continuo tendo planos para realizá-lo, sozinho ou junto a outros conspiradores, em especial ao Luiz Prado no contexto do grupo Boi Voador)

Outro lado que serviu de fonte de inspiração para esse jogo e que pode inspirar uma sessão de 'o dia da celebração' é 13 à mesa, primeiro Larp do Dogma 99, que apesar de ter nome de livro da Ágata Christie é ele próprio inspirado num filme do manifesto Dogma 95 chamado Festa de Família - que também pode servir como inspiração para 'o dia da celebração'

Por aqui, o Larp Calendário, especificamente em sua realização para o Fervo 2017, é certamente uma fortíssima inspiração para o dia da celebração. Interessados podem ler sobre essa experiência por mais de uma perspectiva, já que relatos sobre esse Larp, naquela ocasião, foram escritos por mais de um jogador.

Também brasileiro, o Larp Álcool, apesar de formalmente muito diferente de o dia da celebração, certamente está no horizonte dessa elaboração poética. Fica nesse parágrafo registrada a minha indicação para conhecê-lo

Mas certamente, uma forte inspiração são os larps Lady and Otto, também nunca jogado no Brasil, mas apresentado no contexto brasileiro pelo Wagner Luiz Schmit, em sua palestra promovida pelo NpLarp em 2013...

E uma sessão específica de Um Seixo, organizada no contexto do LabLarp em São Paulo, em 2013.

Soma-se à influência de Lady and Otto as palestras sobre Comunicação Não-Violenta e Comunicação Apreciativa de Pedro Consorte.

Ironicamente, o dia da celebração nasceu em um dia de celebração, mesmo, quando Leandro Godoy apresentou seu artigo para o livro do Knutepunkt numa conferência online. E apesar de jogo ter germe de tensão, e a celebração que o disparou não ter tido.

Além das referências que sou capaz de expressar, um leitor atento ao cenário poderá ver ali outras relações não nomeadas mais ou menos implícitas.

Som, ruido e silêncio, vamos conversar lá fora e outras proposições que circulam na internet e em grupos de prática de Larp certamente devem conter parte dos componentes genéticos que resultam em o dia da celebração. E eu arriscaria nomear alguns outros, ainda mais distantes quando examinados superficialmente.

Mas as listas dos jogos que já existem que compõe o código genético desse lado já está grande.

Mas para além dos jogos que já foram transformados em texto ou já foram propriamente jogados, muitos jogos que permanecem inéditos certamente compõe a base do que veio a se tornar o dia da celebração. Se esses jogos nunca se materializarem em nenhuma forma, mesmo assim eles já tem alguma existência dentro dessas linhas e terão cada vez que o dia da celebração for jogado.

variação

se for para dar uma puxada na direção do Lady and Otto, dá para usar o recurso de pedir a palavra para o jogador expressar que determinado personagem usou a comunicação de forma violenta, depreciou ou criou constrangimento, ele pode pedir para "voltar a cena"

todo mundo age como se aquilo não tivesse sido dito e quem disse tenta formular de outra maneira, considerando a perspectiva que foi exposta



¹ postar este rascunho aqui faz parte de uma tentativa de fazer circular parte das minhas anotações que tenho acumulado há anos e que dificilmente pegam um pouco de ar puro fora das gavetas