segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O Larp Nórdico não é bem assim - Podcast Tomos Revelados


Faz um tempinho que saiu esse podcast que conta com uma contribuição minha.

Os rapazes também citam um texto do Luiz Prado publicado na RedeRPG, RPG e Larp: qual é a diferença?.

Eu acho que o ponto de partida dos caras é muito fraco (um texto ruim publicado na gringa). Mas os caras mandam bem na investigação a partir do texto.

Fica a recomendação!


Podcast: https://open.spotify.com/episode/21nUuyBP0ihZCtKYC9aF9N?si=O5qORpniRQiiKPF3c0MmEQ

Texto original: https://retiredadventurer.blogspot.com/2021/04/six-cultures-of-play.html


O texto original acerta ao partir do princípio que o RPG é constituído a partir de muitas e diferentes culturas de jogo - mas é só isso. O tentar delimitar quais seriam essas culturas (ou as principais delas), logo escorrega no simplismo e no preconceito.

Toda generalização vai errar, não tem jeito. Mas até por isso, quando generalizamos precisamos ser cuidadosos. Não parece ter sido o que houve na composição do texto original, Six Cultures of Play.

Todo mérito do podcast vai todo para o pessoal da Moira Games,  que além de traduzir textos estrangeiros para o Português (o que por si só já é muito bacana), no podcast Tomos Revelados lê, comenta e chama convidados para comentar o texto de acordo com os temas que o texto levanta. Excepcional!

Além de mim, o Felipe Tuller e o Mink convidaram o Newton Rocha, o Rafael Balbi, a Ana do praquemgosta e o Samuel Hernandez para falar sobre alguns pontos do texto.

Para quem preferir ler o texto por si mesmo, Seis culturas de jogo está disponível no site do Tomos Revalos.

Abaixo, a transcrição dos áudios que eu mandei para o Felipe a respeito do trecho que le me pediu para comentar.

Fala Felipe, aqui é o Luiz Falcão falando. E sobre esse texto que você mandou, esse trecho sobre o Nordic Larp é bem esquisito na verdade. Ele não descreve muito bem o que é o Nordic Larp ele faz parecer que o autor leu uma coisa ou outra na internet e completou o resto com a imaginação dele. É um texto bem desdenhoso e preconceituoso na verdade, cheio de clichês e caricaturas. O termo Nordic Larp é, e sempre vai ser, um termo em disputa, mas ele definitivamente não se refere a jogos de mesa, é sobre Larp mesmo.

Eu vou evitar comentar ponto a ponto do que tá esquisito nesse trecho porque acho que o foco é falar sobre a cultura do Larp no Brasil, e eu acho que gente consegue dividir - como talvez fosse possível fazer também no Nordic Larp - não numa única cultura, mas em algumas culturas que constituem essa cultura maior.

No caso do Brasil, a gente tem, ao ver, no meu entendimento, três culturas bem definidas, mas que dialogam entre si, se contaminam umas às outras, influenciam umas às outras. A primeira delas é muito ligada aos jogos de RPG, que são os larps de Vampiro e dos outros títulos da White Wolf, né? É o larp de Vampiro que inaugura o Larp no Brasil. O Vampiro: A Máscara é muito popular, inclusive no formato live action, que é como ele ficou muito conhecido e popular aqui no Brasil a partir dos anos 90. Inclusive esse ano a gente tá fazendo 30 anos de Larp brasileiro. E o marco inicial aí dessa contagem é o primeiro larp de Vampiro organizado oficialmente em um evento em 1994.

Também dá para destacar o Boffer Larp, que são os larps que usam espadas de espuma. Esse termo boffer tem a ver com as espadas de espuma, é um termo norte-americano para isso. Hoje o pessoal fala muito em swordplay, mas o swordplay são as práticas com a espada de espuma, e o Boffer Larp é o larp propriamente dito, usando dessa tecnologia Se o larp de vampiro começa em 94, o larp de espada de espuma a gente rastreia mais ou menos até meados do ano 2000, né?

Então a gente acredita que os primeiros grupos [de boffer larp] apareceram nesse meio tempo, mas um grupo de relevo, de destaque, é o Graal, que começa aqui em São Paulo fazendo eventos numa chácara, num sítio. Aos finais de semana. E aí são histórias de fantasia, de fantasia medieval. Um pouco inspiradas pelo D&D e acho que muito carregadas pelo clima que tinha nessa época com os filmes do Senhor dos Anéis, que estavam para estrear ou estavam estreando nos cinemas e que acabaram congregando aí o pessoal que curtia medievalismo e fantasia medieval. 

...

 Mesmo esses larps de fantasia medieval aqui no Brasil, eles já tem um pouco um input dessa tradição que começa lá no Vampiro à Máscara, né? Mas aí a gente fala da terceira tradição ou da terceira cultura que eu vejo com bastante identidade própria aqui no Brasil, que talvez tenha origem a partir dos jogos de Vampiro: A Máscara, mas um pouco influenciado pelos eventos de RPG.

A Confraria das Ideias, que é uma grande representante dessa terceira tradição, começa fazendo um jogo de Vampiro Máscara no final de um evento de RPG, e aí vira uma tradição fazer larps ao final de eventos de RPG. Mas eles abandonam o Vampiro: A Máscara a partir do segundo larp que eles fazem e vão explorar outros temas.

Eles também abandonam sistemas de RPG. Não foi o único grupo a fazer isso, a gente tem outros grupos que a gente poderia mencionar o grupo Enigma, por exemplo, em Curitiba, Até certo ponto o grupo CLAN, do Rio de Janeiro, que fez bastante larp de Vampiro e dos jogos da White Wolf, mas fazia outros temas também.

Enfim aí a gente poderia seguir acumulando exemplos a respeito disso, né? Que aí eu vou dizer que é um larp, larp mesmo, assim, sem um adjetivo né? Porque a primeira tradição que é o Vampire Larp, e a segunda que é o Boffer Larp, eu entendo que eles têm esse qualificador que os agrupa. Agora, o resto todo, eu acho que ele acaba fazendo parte dessa tradição, que é de entender o larp de maneira autônoma e flexível dentro de temáticas, dentro de propostas de jogabilidade...

E aí, lá para 2011, 2012, 2013, o NpLarp, que é o grupo que eu faço parte, acaba fazendo uma extensa pesquisa a respeito do Larp, além das fronteiras brasileiras, dentro das fronteiras brasileiras também, mas além das fronteiras brasileiras [inclusive] e a gente acaba tomando contato com o Larp internacional e o Nordic Larp. Inclusive é nessa época que o livro que se chama Nordic Larp sai, em 2010, e acaba ganhando um grande relevo na comunidade internacional.

São quatro países, eles fazem um evento entre si, os eventos são em inglês então isso fez com que chegasse mais longe a produção cultural e intelectual deles. E aí acaba tendo uma grande influência do Larp Nórdico, mas não só no Larp Nórdico [mas também] no Larp brasileiro. E aí de lá para cá, esse eixo vem se desenvolvendo bastante, essa tradição do Larp enquanto uma linguagem autônoma.

Acho que mais ou menos é isso, essa tradição... A tradição, claro, do Vampiro: A Máscara ainda tem bastante ligação com jogos de RPG. Quando saiu a quinta edição do Vampiro teve um certo revival, embora nunca tenham parado os lives de Vampiro: A Máscara, né? Mas teve grupos aí voltando ou se rearticulando um pouco em função do hype da quinta edição. O Larp Medieval teve algumas experiências bem interessantes pelo Brasil. De maneira geral também, ele nunca deixou de existir mas arrefeceu bastante, embora você tenha grupos bastante longevos, como Batalha Cênica Salvador, o Graal MG, que hoje é o Crônicas ou o Graal RJ, que hoje é o Santuário. Mas talvez teve uma redução na prática desse tipo de larp.

Mas que existir, existir... sempre existiu. A gente vê que essas tradições não desaparecem, elas sofrem influências umas das outras, mas elas continuam seguindo os seus percursos. 

...

Rapaz, pensando aqui agora, depois de gravar esse áudio eu acho que a gente já pode falar numa quarta tradição já, que são esses lápis estilo faça você mesmo, que costumam ter um roteiro um manual, etc. Para os jogadores lerem e jogarem por si mesmos, às vezes com o organizador, às vezes com todos os jogadores tendo consciência do jogo como um todo.

Essa tradição é muito amalgamada com a outra, a terceira, mas acho que constitui uma cultura ou escola própria, por assim dizer. Para quem tiver curiosidade, tem um site que é o larpbrasil.blogspot.com, que reúne uma grande quantidade desses roteiros, muitos deles produzidos aqui no Brasil, já. Mas também alguns deles gringos de outros países.

Pode ser bacana para conhecer também.

 

Os áudios foram transcritos com ajuda da web.descript.com