quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Como encontrei o horror na Terra dos Mortos

Nalgum momento tardio dessa pandemia, já com duas doses de vacina no braço, a amiga virtual já de longa data Kyrie Flame (Graal RJ) me adicionou num grupo de WhatsApp chamado amavelmente de Larp Brasil. Logo quando entrei, alguns membros estavam compartilhando histórias marcantes que vivenciaram em larps (entre eles, Effe, Daniel Prado Cosenza, Marina Cavoli e outras pessoas já queridíssimas).

Resolvi compartilhar também e reproduzo meu relato abaixo:

As fotos deste post são do Bruno Fischer.

Tem uma foto pra ilustrar meu momento que quero compartilhar com vocês.

Eu já narrei esse momento em mais de uma ocasião (algumas delas em vídeo, gravadas e distribuídas por aí), mas nunca tive oportunidade de ilustrar.

Essa guria da foto (cujo nome eu não sei e talvez nunca tenha sabido) é parte da história  e eu sou esse camarada barbado aí à esquerda da foto.

Foi no inicinho de 2013, em Araraquara. Eu fui acompanhar a Confraria das Ideias para a primeira realização do larp RedHope: Terra dos Mortos (que no mesmo ano eu tive o prazer de produzir em outra escala e já passo um link pra vcs verem, rs).

Eu não estava familiarizado com o enredo, as mecânicas, os personagens... nada. Então eu acabei jogando...

A história de passava em um universo ficcional que eu tinha ajudado a criar muitos anos antes.

Na história, a vida na Terra tinha sido consumida por uma pandemia (sério) que transformava as pessoas em monstros (que depois viraram só zumbis). A Atmosfera ficou impregnada por esse vírus fatal e quem tinha grana deu tchaus e se mudou para estações espaciais na órbita da terra. (e além). 

Em Terra dos Mortos, um grupo de mercenários vinha para Terra para lançar na atmosfera uma cura experimental... mas a missão sofria uma sabotagem e a nave caía.

Meu personagem era o terceiro imediato.... Mas era um golpista. Ele nunca tinha participado de nenhuma missão em solo e nunca tinha sido responsável por uma espaçonave.... Ele fraudou o currículo para entrar como terceiro imediato porque achava que ia ser zica demais ter que assumir o comando. Imaginem... o capitão e o primeiro imediato iam ter que se retirar... isso não ia acontecer.

Mas aconteceu, né? 🤷‍♂️

Fiquei responsável pela missão, pela tripulação e por concertar todos os sistemas da nave... mas não fazia a menor ideia do que fazer.

Aí essa guria ficava enlouquecida entrando e saindo da nave, querendo fazer mil coisas e sempre vindo se reportar a mim. Enquanto isso, os técnicos da nave ficavam me alugando para fazer reparos nos sistemas da nave que eu nunca tinha nem visto porque eu era, basicamente, um impostor. 

Num determinado momento, ela veio desesperada - gente, desesperada - falando que todos iam morrer e que estávamos perdidos.

Eu minimizei e disse que não ia acontecer nada, que ela ia ficar bem, que os médicos iam tratar os feridos e que se não conseguíssemos decolar, íamos chamar o resgate. Ninguém iria morrer.

Ela saiu da sala e eu fiquei ali com um técnico tentando reparar um quadro de energia (um puzzle fdp que o pessoal da Confraria armou pra gente)

Alguns minutos passam e... na sala onde estávamos havia uma janela que permitia ver o lado de fora da nave.

A menina me aparece coberta se sangue, infectada. Completamente de surpresa.

Eu gelei.

Não foi meu personagem que gelou, não. Fui eu.

Eu me senti responsável pela morte daquela guria e o horror tomou conta de mim daquele momento em diante.

Ela estava certa. Todos íamos morrer. Eu estava no comando e não tinha ideia do que estava fazendo. Era tudo culpa minha e todos íamos morrer.

Dito e feito, né?

Todos morremos.

No final, ainda teve um "brinde".

Meu personagem saiu da nave armado até os dentes e foi consumido por uma horda de zumbis. 

Os jogadores, zumbificados, pularam em mim e eu tentei resistir inutilmente. 

O detalhe: o lado de fora da nave era visível para o público do Sesc (onde o Larp foi realizado). 

Minha filha de DOIS ANOS (na época) estava lá e me viu sendo devorado. Ela ficou em pânico!!!! 😱

esse guri era o técnico que estava comigo na sala....

O reconhecimento facial do facebook diz que aquela guria chama Raquel Franco...

E não achei foto dela convertida em zumbi :O Mas achei essa foto abaixo, bruxona demais.


Esse relato poderia facilmente compor a série #umlarppordia, não poderia?

Vale acrescentar que, nas fotos, dá pra ver a faísca nos olhos da Raquel. Na janela, coberta de sangue, esses olhos estavam opacos. É isso.

quarta-feira, 31 de março de 2021

O dia da celebração (v 0.1.1)

esta postagem ainda é um rascunho¹



Criei um larp
Coisa simples
Chama 'o dia da celebração'

É um Larp de festa: jantar, festinha de aniversário, celebração da firma...

Ainda preciso acertar um contexto.

Durante toda a celebração, todos os personagens tem que apoiar uns aos outros e celebrar mutuamente suas conquistas, qualidades, personalidades e cada colocação que for feita.

Qualquer ideia que seja oferecida ao grupo deve ser acolhida, elevada, continuada, aumentada pelos pares. Ainda que nada se faça a respeito no momento, afinal, hoje não o dia de fazer. Hoje é o dia de celebrar.

pedir a palavra

A qualquer momento. Qualquer momento mesmo. Qualquer jogador pode bater com uma colher em sua taça para pedir atenção.

Mas quando o jogador faz isso, é o jogador quem faz isso, e não seu personagem.

Os convíveres todos vão silenciando e, sob silêncio total, o jogador que pediu atenção falará livremente

Nesse discurso, esse jogador poderá falar sobre os poréns que seu personagem veria sobre o que está sendo celebrado, incentivado, partilhado por todos

Pode falar o que seu personagem realmente estaria pensando

É o momento de colocar para fora as interdições, as contradições, as antipatias e advertências

Nenhum outro jogador deve interrompê-lo

Por extensão, o recuso de pedir a palavra pode ser usado para que o jogador comunique aos demais jogadores alguma coisa que ele sinta necessidade de comunicar.

Outro jogador não pode pedir a palavra na sequência.

Antes de fazer isso, o clima de burburinho, confraternização e celebração deve ser reinstaurado no ambiente.

condições

Como o jogo emula uma reunião social, as condições de início e término do jogo estão diegeticamente definidas.

Recomenda-se que os jogadores combinem antecipadamente a duração do jogo (e eventualmente, dependendo do contexto da Narrativa, um anfitrião para a reunião social) e encerrem a celebração obedecendo aos ritos que seus personagens seguiriam

MAS, que tenham uma estratégia para se encontrarem novamente, sem seus personagens, após o término da representação.
Esses são os ritos do jogo

Para além dos ritos,
Poderia-se incluir um cardápio de situações

situações (e influências)

Situações específicas podem funcionar como catalisadores da experiência.

Uma das inspirações para esse jogo é o Larp de final de ano "Festa da Firma". O contexto de uma celebração no ambiente corporativo suscitaria determinados temas para a experiência, diferentes daqueles que seriam levantados em uma formatura de faculdade, uma reunião de turma 20 anos após formados (como no Larp Encontro de ex-alunos), um chá de bebê ou casamento, o aniversário da matriarca de uma família aristocrática em decadência (semelhante ao Larp "A Vida Elegante"), reunião de um partido político (como no Larp Panaceia).

Outra inspiração é o Larp Novas Vozes na Arte, que traz as taças e os solilóquios/monólogos

Novas vozes na arte, inclusive, é um Larp inserido dentro da tradição nórdica. Um contexto onde o recurso do solilóquio/monólogo é chamado de metatécnica e entendido como um recurso disponível para a comunidade de criadores e jogadores de Larp.

Há muitos larps na tradição nórdica que usam a técnica de solilóquio/monólogo, mas eu não consigo me lembrar de nenhum, no Brasil, que faça isso com esse nível de centralidade para a experiência

Novas Vozes na Arte, até onde eu sei, continua inédito no Brasil (e eu continuo tendo planos para realizá-lo, sozinho ou junto a outros conspiradores, em especial ao Luiz Prado no contexto do grupo Boi Voador)

Outro lado que serviu de fonte de inspiração para esse jogo e que pode inspirar uma sessão de 'o dia da celebração' é 13 à mesa, primeiro Larp do Dogma 99, que apesar de ter nome de livro da Ágata Christie é ele próprio inspirado num filme do manifesto Dogma 95 chamado Festa de Família - que também pode servir como inspiração para 'o dia da celebração'

Por aqui, o Larp Calendário, especificamente em sua realização para o Fervo 2017, é certamente uma fortíssima inspiração para o dia da celebração. Interessados podem ler sobre essa experiência por mais de uma perspectiva, já que relatos sobre esse Larp, naquela ocasião, foram escritos por mais de um jogador.

Também brasileiro, o Larp Álcool, apesar de formalmente muito diferente de o dia da celebração, certamente está no horizonte dessa elaboração poética. Fica nesse parágrafo registrada a minha indicação para conhecê-lo

Mas certamente, uma forte inspiração são os larps Lady and Otto, também nunca jogado no Brasil, mas apresentado no contexto brasileiro pelo Wagner Luiz Schmit, em sua palestra promovida pelo NpLarp em 2013...

E uma sessão específica de Um Seixo, organizada no contexto do LabLarp em São Paulo, em 2013.

Soma-se à influência de Lady and Otto as palestras sobre Comunicação Não-Violenta e Comunicação Apreciativa de Pedro Consorte.

Ironicamente, o dia da celebração nasceu em um dia de celebração, mesmo, quando Leandro Godoy apresentou seu artigo para o livro do Knutepunkt numa conferência online. E apesar de jogo ter germe de tensão, e a celebração que o disparou não ter tido.

Além das referências que sou capaz de expressar, um leitor atento ao cenário poderá ver ali outras relações não nomeadas mais ou menos implícitas.

Som, ruido e silêncio, vamos conversar lá fora e outras proposições que circulam na internet e em grupos de prática de Larp certamente devem conter parte dos componentes genéticos que resultam em o dia da celebração. E eu arriscaria nomear alguns outros, ainda mais distantes quando examinados superficialmente.

Mas as listas dos jogos que já existem que compõe o código genético desse lado já está grande.

Mas para além dos jogos que já foram transformados em texto ou já foram propriamente jogados, muitos jogos que permanecem inéditos certamente compõe a base do que veio a se tornar o dia da celebração. Se esses jogos nunca se materializarem em nenhuma forma, mesmo assim eles já tem alguma existência dentro dessas linhas e terão cada vez que o dia da celebração for jogado.

variação

se for para dar uma puxada na direção do Lady and Otto, dá para usar o recurso de pedir a palavra para o jogador expressar que determinado personagem usou a comunicação de forma violenta, depreciou ou criou constrangimento, ele pode pedir para "voltar a cena"

todo mundo age como se aquilo não tivesse sido dito e quem disse tenta formular de outra maneira, considerando a perspectiva que foi exposta



¹ postar este rascunho aqui faz parte de uma tentativa de fazer circular parte das minhas anotações que tenho acumulado há anos e que dificilmente pegam um pouco de ar puro fora das gavetas