terça-feira, 30 de agosto de 2016

Luiz Pinguim

Seguindo a promessa de ano novo de 2016 (construção de conhecimento > disseminação de informação), trago mais uma participação em debate nas redes sociais que merece ser arquivada neste blog.

O comentário partiu da seguinte pergunta de Rafão Araújo no grupo Indie RPG - e a ela se seguem muitos designers e criadores - novatos e veteranos, independentes e ligados a editoras - fazendo suas considerações. Quem se interessar pelo tópico, recomendo fortemente a leitura integral dele.


Acho incrível as pessoas que conseguem trabalhar sozinhas, eu simplesmente não consigo. Não sou o homem de preencher os por menores. Eu dei dar muitas idéias, apurar as existentes, mas tenho real dificuldade em preencher os blocos que formam toda a parede. Isso sempre é um desafio para mim, por isso para cada projeto, preciso encontrar um parceiro para dividir esse fardo.
E vocês, quais as dificuldades?

- Rafão Araújo, no grupo IndieRPG do facebook

--

Acho que eu nunca trabalhei sozinho. Nem de brincadeira. (bom... talvez quando eu era novinho, fazendo coisas exclusivamente para o meu grupo de rpg, entre cenários e aventuras). *

Comecei fazendo jogos de forma amadora ao lado do Rafael Castro, mas nunca chegamos muito longe. O primeiro larp aberto ao público eu fiz com o Tadeu Andrade, e era um larp de RPG, ao estilo desses de Vampiro.

Foto do Larp baseado no RPG Trevas, que eu organizava em São Paulo (2004? 2005?).

Logo depois eu fiz um curso com a Confraria Das Ideias e me chamaram em seguida pra trabalhar com eles. Fiz uma porção de jogos com os parceiros da Confraria como o Leandro Godoy, o Paulo Renault, o Thomaz Barbeiro e o Cauê Martins.

Detetives: Mistérios e Mentes Criminosas (2010), Loucura: uma da Face da Mente (2010), O Magnífico nos Céus do Amanhã (2009), Arraiá de Assumpção (2009 e 2010), GO West (2009) e O Maior Passo da Humanidade (2009) foram alguns dos larps dos quais participei como organizador ou criador junto com a Confraria das Ideias. 
Depois, com o Boi Voador eu fiz jogos com o Cauê e com a Erika Bundzius. Cheguei a assinar A Clínica: Projeto Memento onde eu devo ter sido uns 80% autor da coisa toda, mas não teria se materializado sem o trabalho deles.


Em 2012, comecei a trabalhar, na Confraria mesmo, com o Luiz Prado, mas numa perspectiva de total coadjuvante. Os jogos eram dele. Eu - e os outros confrades, estávamos mais para suporte do que qualquer outra coisa. Fiz algumas contribuições, mas longe de considerar um jogo meu. Por muito tempo achei que isso tinha a ver com a característica da linguagem - depois descobri que não tem. Eu cheguei a ter um pouco mais de protagonismo na criação do larp A Casa da Borda do Mundo, em 2013 para a Confraria das Ideias, mas em pouco tempo o Leandro Godoy e o Dyego Tioshin entraram junto comigo como autores do projeto. (desse o Prado não chegou a participar).

RedHope: Perigo Biológico (2012, primeiro larp de Luiz Prado para o grupo), RedHope: Terra dos Mortos (2013) e A Casa da Borda do Mundo (2013) são apenas alguns exemplo dentre as muitas realizações do período.
Em 2013, o Prado entra de cabeça também no Boi Voador e NpLarp. Nesse ano começamos a trabalhar no Máfia (que playtestamos no primeiro labJogos) que depois virou O Jogo do Bicho. É um jogo que, como A Clínica, também me vejo como autor. Nesse caso, como Co-Autor.

Fotos das duas aplicações d'O Jogo do Bicho - no LabJogos 2014, em Belo Horizonte, e no CCJ, no Encontro de RPG 2014.

Estou trabalhando em mais um jogo em co-autoria com o Prado no momento, mas a experiência de colaborar com a trajetória dele (que é autor de DIVERSOS jogos, a maior parte deles obras primas :P - ele não gosta que eu fale assim ).... a experiência de colaborar com ele tem me desafiado a encarar minhas ideias persistentes e projetos engavetados.

Não sei dizer exatamente o que "me segura" no desafio de começar e terminar um jogo, se é o "não encontrei um processo criativo que me sirva" ou se é uma preferência genuína de trabalhar coletivamente.

Por um lado, às vezes, eu boto culpa na insegurança. Outras, me convenço de que acho mais legal fazer em grupo. Depois, fico pensando que é uma questão de necessidade - e quando não há necessidade, pra que pegar todo esse trabalho sozinho.

Mas olhando para uma porção de trabalhos solo muito bons (do pessoal daqui e do pessoal de fora) eu realmente fico curioso para saber que tipo de coisa (de contribuição, inclusive) eu poderia criar "sozinho".

Há um tempo atrás, quando eu andava mais pela ceara seara da literatura fantástica do que pelos jogos de representação eu acreditava numa fábula engraçadinha e autoreferente:

"Existem dois tipos de pessoas. Os falcões e os pinguins. Os falcões são pessoas autônomas e independentes, que andam por aí e realizam grandes feitos sozinhos. Os pinguins não são capazes de fazer nada sozinhos, eles precisam de um grupo de pinguins para realizar qualquer coisa. Eu sou um pinguim e não um falcão."

Hoje eu acho isso aí uma grande bobagem. Mas nunca me incomodou a ideia de ser um pinguim e não um falcão ;)

Agora, vamos ver se esse ano ou ano que vem eu consigo tirar algum projeto solo da gaveta :)



--
PS1: Eu acho uma estratégia chamar alguém em quem você co fia para fazer uma parte do trabalho que você não sente muita segurança em fazer. Por outro lado... se vc nunca fizer... como vai aprender (supondo que você queira).


PS2: Eu sou designer e artista plástico de formação - e de hábito. Não é raro eu começar pela produção gráfica, junto com as primeiras ideias


PS3: Na conversa, o Rafão mencionou ter sido convidado para fazer um larp num evento. Eu adoro trocar ideia sobre essas coisas e me coloquei a disposição para ajudar. Se você, como ele, está pensando em fazer um larp também e quiser conversar comigo a respeito, eu adoraria :)


----
* Pensando bem. Eu já fiz muiiiiiiiiitos trabalhos sozinho sim. Mas a questão não perde relevância por conta disso.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Desaparecida, de Jairo Borges Filho

Na função, como já é tradição, de transformar interações ricas em redes sociais em documentos que podem ser posteriormente consultados e ainda por cima servirem de alguma coisa a outras pessoas, venho ao blog registrar parte de um diálogo que tive com o game designer Jairo Borges Filho (Jogos À La Carte, Indie Game PT)

No dia 20 de agosto, Jairo me marcou em uma postagem enigmática:
"Mente turbinada + tédio no trabalho = jogo novo saindo.
Essa é a fórmula para salvar uma manhã de sábado." 
"Aliás, a diretoria requisita o apoio de Luiz Falcão para levar esse projeto adiante."
Mais tarde, Jairo contou detalhes do projeto:
"Então... remexendo em algumas coisas que escrevi no ano passado, pensei em fazer um larp para três a seis pessoas. Elas estariam reunidas para juntar informações de uma "sétima pessoa" - uma jovem, que era amiga de quase todos ali presentes - que desapareceu misteriosamente. 
Um dos jogadores atuaria como um Investigador, buscando fatos e histórias que pudessem não apenas identificar mais a jovem (construí-la ingame), como também descobrir qual (ou quais) dos amigos ali reunidos teria envolvimento no sumiço dessa jovem. 
Como recursos de jogo, pensei em cartões de relação (distribuídos em segredo entre os amigos), que descrevem um evento passado de sua relação com a desaparecida (dando, também, o parecer do seu envolvimento no caso) e fotos de qualquer tipo (que seriam usadas pelos amigos para construir a narrativa)."

Ao que respondi: Excelente!

Tem várias coisas que eu curto aí:

1. Personagem ausente. Falar sobre "um outro" sempre dá um caldo. Às vezes acaba acontecendo mesmo em jogos que não prevêem essa dinâmica. Como proposta, a tendência é ser uma ferramenta poderosa. Estas Pessoas na Sala de Jantar (Eduardo Caetano) e Letícia Freire (Luiz Prado) são dois exemplos que me lembro agora que prevêem a construção de um personagem ausente através da relação entre os personagens dos jogadores. Seu jogo adiciona um mistério: o desaparecimento. Isso pode ser muito interessante!

2) Cartas de relação.
Elas adicionam estímulos durante o jogo e podem ou não aparecer. Além de ajudar no clima de incerteza, estimular a improvisação e tornar as coisas mais dinâmicas e imprevisíveis, elas são uma solução elegante para o paradigma de passar muita informação de uma vez só - o que às vezes pode tornar a imersão mais difícil ou, pelo menos, deixar parte desses estímulos para fora da experiência de jogo. Essas cartas podem ser sorteadas antes (para criação de personagens como em O Jogo do Bicho, do Boi Voador) ou durante o jogo, pegando os jogadores de surpresa e adicionando elementos narrativos bombásticos e plot twists (mais ou menos como acontece os refrões do Ouça no Volume Máximo).

3) Fotos. Eu tenho muita curiosidade sobre como lidar com estímulos não-verbais no design de experiências como larps. Chegamos a aventar a possibilidade para O Jogo do Bicho, mas acabou ficando para depois. Eu lembro de ter visto um jogo da Nina Runa Essendrop (uma das autoras do White Death) em que ela trabalhava com esses estímulos de maneira muito semelhante ao que eu gostaria de experimentar n'O Jogo do Bicho. O Prado também tinha um design antigo, nunca realizado, que explorava o recurso em alguma medida. Publicado, eu só consigo me lembrar do Jardim de Saudades, do Tig Vieira, que não sei se chegou a ser realizado, mas tem uma proposta muito poderosa envolvendo fotografias. Eu adoraria ver mais jogos explorando esse universo de possibilidades.
Laura Palmer, personagem adolescente de série televisiva Twin Peaks (Favid Lynch/Mark Frost) cuja descoberta do corpo assassinado dá origem à trama.

Se por um lado uma moça desaparecida me remete imediatamente a clássicos como Twin Peaks e a uma porção de Histórias tristes da vida real... Aquela história de representatividade me coloca uma pulga atrás da orelha: temos aí mais uma donzela em perigo? À luz dessa problematização, o jogo pode ser ainda mais interessante. Seja jogando com a ideia que não precisa mesmo ser uma mulher, seja explorando o topos narrativo - tanto na potência de explorá-lo, esmiuçá-lo, quanto de reinventá-lo ou problematizá-lo.

----
O que me deixa curioso sobre as possibilidades de design dessa experiência é o quanto dessa história será definida por você, autor, e o quanto ficará a cargo dos jogadores?

O papel do designer é oferecer estímulos e ferramentas aos jogadores. Pelo que você disse, consigo ter uma ideia das ferramentas oferecidas - ainda que não saiba exatamente como você vai trabalhar cada uma delas. Mas que tipo de estímulos você vai oferecer (cenário? ambientação? personagens? ou apenas a estrutura?) me deixa bastante curioso com o jogo.

O quanto você determinar e o quanto vai deixar aberto para os jogadores?

E se a opção for deixar mais aberto, que estímulos usar para provocar ou aguçar a criatividade dos participantes!?

---
Você já tem alguns aspectos mais desenvolvidos?

----
JAIRO: Por ora, não. Esse foi apenas um exercício descompromissado de uma manhã tediosa de chuva, no ambiente vazio de trabalho. Mas percebo que você pescou algumas idéias que tinha colocado de fato nesse rascunho (nem Twin Peaks escapou!)

Como designer, iria propôr apenas a estrutura do jogo, a princípio: a falta da moça, o papel dos amigos, as relações se construindo e o papel do Investigador, que pode (ou melhor, vai) instigar a participação dos envolvidos.

Mas devo admitir que fiquei intrigado com suas palavras, sobre como poderia delimitar um pouco mais esse cenário...

----
FALCÃO: Eu comecei a trabalhar num larp também, baseado em uma obra literária. Essa questão do quanto determinar via design e do quanto deixar na mão dos players está me pegando.

Se abro demais, deixa de ter conexão com os elementos que me instigaram a trabalhar com o tema. 

Se fecho muito, transformo numa reencenação - o que por si só poderia até não ser um problema. Mas no caso específico poderia colocar umA jogadorA em maus lençóis - literalmente e psicologicamente falando.


----
JAIRO: De fato, é o desafio da criação.

Algumas idéias do projeto que coloquei acima surgiram de leituras recentes, como Archipelago e um hack dele desenvolvido pelo Jason Morningstar, The Last Train Out of Warsaw. Inclusive, é engraçado notar como o primeiro permite tanto a criação coletiva, enquanto que o segundo já direciona a história (a colocando "sobre trilhos", em todos os sentidos!) para um fim inevitável. E ambos usam a mesma lógica.

Enfim, vou ver se consigo providenciar uma versão apresentável desse projetinho (afinal, em termos de descrição, ele vai ficar pequeno) para compartilhar contigo (e com outros interessados, claro) em breve. ^^

---
FALCÃO: Archipelago e The Last Train Out of Warsaw são jogos poderosíssimos.

Inclusive Archipelago é do Matthijs Holter, mesmo autor do Good Night Darlings e tantos outros jogos que admiro horrores.

Já o Jason... bom... ele é americano, heheheh. Brincadeira. Mas não. É claro que a "escola" de cada um influencia de alguma maneira os jogos que eles fazem - o que não é um comentário sobre um jogo ser melhor que outro. Longe disso.

Encontrar "com quais jogos meu jogo se relaciona" é um bom caminho para ter segurança de fazer definições para nossos próprios jogos. Talvez seja um caminho bom para eu refletir sobre o caminho a seguir com esse meu larp.

---

Ainda naquele dia, Jairo postou uma imagem do larp em desenvolvimento!

"E o processo de produção segue a todo vapor! Em breve, teremos o primeiro larp publicado pelo selo Jogos à Lá Carte!" - J B Filho

Jairo Borges Filho com uma de suas criações, o jogo Insetopia (inspirado pela obra Metamorfose, de Franz Kafka)
Conheci o Jairo Borges Filho em 2013, no primeiro LabJogos, em Belo Horizonte. Na ocasião, ele me interpelou durante uma palestra dizendo que tinha escrito um trabalho acadêmico para a faculdade de psicologia sobre a tomada de papéis (tradução comum na psico para Roleplay) e o desenvolvimento de personagens em jogos de rpg.

Naquele ano também, acredito eu, Jairo teve o primeiro contato com o tipo de larp com o qual estou envolvido (que não é tão parecido assim com os live-actions de Vampiro: A Mácara, que grande parte dos participantes do evento acreditavam ser o nosso negócio), por meio das atividades que eu eu o Luiz Prado levamos para o evento.

Em 2014, ele acompanhou novamente nossas atividades no LabJogos, tendo participado do larp Álcool, do Luiz Prado e acompanhado a aplicação de White Death / Morte Branca pelo grupo Boi Voador.

Jairo Borges Filho é a pessoa a frente do Jogos À La Carte, selo pelo qual publicou jogos como Insetopia e Postmortem. Figura conhecida da cena independente de desenvolvimento de jogos narrativos e rpgs, Jairo mantém também o site Indie Game PT, que resenha jogos analógicos - rpgs e semelhantes - disponíveis em português, em sua maioria criados no Brasil.

Desaparecida será seu primeiro larp.

/////// UPDATE: Pouco tempo depois dessa postagem, Jairo publicou a primeira versão jogável do larp. Segue abaixo:



----
a discussão começou neste post do facebook e contou também com comentário do também designer de jogos Eduardo Caetano.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Nonsense e Sensibilidade nos desenhos animados

Hora da Aventura, Steven Universo, Clarêncio e Regular Show tem seus tons de nonsense (Steven provavelmente menos).

Mas são obras sensíveis, preocupadas com as sensibilidades de seus espectadores - e em especial com seu desenvolvimento emocional. Steven Universo é de chorar (já aconteceu comigo nuns 3 episódios). As outras, no mínimo, suscitam reflexões importantes. São grandes comentários sobre nossos tempos, sobre as relações humanas, os humores, o bem e o mal, o certo e o errado.... nada moralista - com uma sensibilidade que parece só ser possível em desenhos animados.

Se a ficção contemporânea vive uma grande crise - seja de falta de profundidade, seja de "desespero pelo real" (Game of Thrones? Demolidor? Stranger Things? pff) - essa crise passa longe desses desenhos animados. É ali que, sorrateiramente, moram alguns dos grandes escritores de ficção dos nossos tempos. Não tenho dúvidas. E justamente por estarem "escondidos" em obras lidas como "infantis".

O mesmo a gente não pode dizer de Titio Avô. Titio avô é APENAS non sense. Não há sensibilidade. Não tem respeito pelo público. Nenhuma profundidade emocional. Nenhum cuidado.

Titio Avô é agressivo. "Uma coisa meio idade média". É um quadro de Bosch ou de Brueguel.

Qual é a do Titio Avô????


Postagem originalmente publicada no facebook, em  18 de agosto. Seguem-se ainda alguns comentários interessantes.