sexta-feira, 13 de junho de 2014

Larp e rpg de mesa - onde acaba um e começa o outro

Escrevi este texto como comentário ao artigo do Ivan Žalac, larper da Croácia, "Larp e rpg de mesa - onde acaba um e começa o outro" (Tabletop and larp - where does one end and the other begin?) em 1 de novembro de 2013.

Mesa do RPG Dresden Files (Foto:Dabe Alan) e jogadores interagindo com seus personagens durante o larp A Clínica (Foto: Mariana Waechter)
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Aqui no Brasil, em 2011, começamos a experimentar alguns jogos noruegueses que estão no meio do caminho entre as duas coisas também.

Ficaram muito populares, até hoje, os role playing poems (norwegianstyle.wordpress.com/category/role-playing-poems/). Jogos como A Peble e Good Night Darlings. Eles não são escritos nem como Tabletops nem como larps, as instruções geralmente são vagas o bastante para se encaixarem em qualquer uma das duas modalidades - ou em nenhuma delas.

Como eles foram introduzidos no Brasil pelo Boi Voador, que é um coletivo de larp de São Paulo, eles foram introduzidos na versão larp. Outros jogos noruegueses também carregam consigo essa polivalência.

Para mim, que tenho parte da minha formação em artes cênicas (que eu foi buscar depois de já estar engajado com larp) o ponto central da distinção entre RPG e LARP está no gênero narrativo.

A teoria que divide a poética (ou a representação) em três gêneros centrais tem origem em Aristóteles e se desenvolve e populariza no século XIX, tendo Hegel como um de seus propagadores. Os três gêneros se referem a unidade de tempo-espaço narrativo e seriam eles:

o gênero lírico (do tempo subjetivo, interior, geralmente associado a poesia e que Aristóteles menosprezava em sua Arte Poética);

o gênero épico (ligado ao tempo passado, a narração, a enunciação. é o tempo das grandes narrativas como a Odisséia e a Ilíada. O tempo dos romances e contos.)

o gênero dramático (ligado ao tempo presente, ao diálogo, a ação. é o tempo dos textos teatrais).

Nenhum dos três gêneros é absoluto - ele sempre dividirá espaço com outros. Num drama, um personagem pode narrrar um feito passado (épico) e falar de sua subjetividade (lírico). Num romance, qualquer diálogo poderá ser considerado dramático.

Dessa forma, podemos dizer que o RPG está para o gênero épico como o larp está para o gênero dramático. Um e outro vão, claro, em maior ou menor grau, flertar com o gênero vizinho.

Os larps jeepform, por exemplo, são bastante épicos (como o teatro épico de Brecht). Os RPGs que o Aaron Vanek citou no comentário dele são bastante dramáticos.

Em alguns casos é difícil dizer se um jogo é larp ou RPG. Aqui no Brasil, As Extraordinárias Aventuras do Barão de Munchausen, de Michael Cule, Baron Munchausen, James Wallis, Derek Pearcy, é relativamente popular. É um jogo tabletop, onde os participantes sentados ao redor de uma mesa interpretam seus personagens, que estão sentados ao redor de uma mesa, por todo o tempo do jogo. Então é larp? Pra mim é. Mas tanto faz.

Larp e RPG, no meu entendimento, são linguagens próprias e autônomas, mas que estão dentro de um grande continuum. Interessa menos dizer onde começa um e onde acaba o outro do que reconhecer as qualidades e especificidades de cada uma (ou de ambas) e aprender a usá-las a seu favor independente de para qual plataforma, seja tabletop ou "em pé".

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O texto foi gentilmente traduzido para o inglês pelo Igor Smith, que me convidou para comentar o artigo!

Para quem quiser conhecer mais role playing poems, tem alguns traduzidos no site do NpLarp e o Jonny Garcia também traduziu vários deles para o labLARP.


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Leia também:

Larp não é rpg, de Luiz Prado (sobre o mesmo tema)

- Uma arte dramática participativa, de Luiz Falcão

Julio Plaza e Deltagar Kultur - três gradações da interação, de Luiz Falcão